Vaidade, vaidade, tudo é vaidade…já dizia o autor de Eclesiastes. Muitas de nós mulheres cristãs crescemos com diversos cuidados para não ostentar vaidades em nossa aparência. Baseado nos textos de Pedro e Paulo nos ensinaram que as vaidades femininas eram inimigas da santidade. Afinal, eles dizem: “Que o vosso adorno não seja o exterior – arranjo de cabelo, jóias de ouro, roupa vistosa” (1Pd 3.3); e, “As mulheres usem trajes descentes, adornem-se com pudor e modéstia, sem tranças, nem ouro, nem pérolas ou vestidos suntuosos.” (1Tm 2.9-10).
Assim, todo cuidado era pouco. Quais eram os limites com a aparência? Seria pecado ir ao cabeleireiro, fazer mechas, tingir ou fazer uma escova? Seria pecado usar uma jóia ou uma bijuteria bonita? Qual a roupa adequada para ir a um culto? Seria pecado entrar na casa do Senhor de salto 10 e uma bolsa Chanel, mesmo que falsificada? Maquiagem, então… nem pensar! Se não, poderíamos ser confundidas com Jezabel que pintava os olhos (2 Rs 9.30)!
Mas se a Bíblia não se contradiz, como seria possível então que Ester tenha passado seis meses se perfumando com mirra e mais seis meses com outros perfumes, além de gostar de se adornar com trajes de gala (Et 2.12, 5.1)? Rebeca usava as jóias de sua falecida sogra, Sara (Gn 24.22,30,47,53), apesar do texto de Pedro citá-la como exemplo. E Rute, que para se aproximar de Boaz se perfumou e colocou seu melhor vestido? A noiva de Cantares de Salomão, equiparada à igreja na teologia, se adorna com brincos, colares e perfumes (Ct 1.10-13).
Hildegarde de Bingen, abadessa do séc. XII e profunda conhecedora da Bíblia, escreveu tratados de teologia, filosofia, poesia, teatro, música e ainda textos sobre medicina e ciências naturais. Foi a criadora da água de lavanda, que tanto sucesso faz até hoje entre nós, mulheres! Hildegarde compreendia que uma mulher devia se arrumar em honra ao criador. Afirmava que uma mulher usar jóias ou um cabelo arrumado para assistir a um culto não era um ato de vaidade, mas sim uma forma de louvar a Deus com seus corpos. Permitiu que as monjas sob sua autoridade usassem o cabelo solto, vestes claras e luxuosas, ornamentos de ouro e perfumes pois se eram as “noivas de Cristo”, deviam se apresentar belas para Jesus, tal como a noiva de Cantares. Criticava fortemente a hipocrisia dos véus negros e pesados que ocultavam muitas vezes um coração cheio de pecados e ressentimentos. Hildegarde compreendeu que os textos de Pedro e Paulo, assim como toda a Bíblia, não proibiam os adornos femininos. A beleza foi criada por Deus e pode ser usada para glorificá-lo, sempre acompanhada do “interior, que está oculto no coração, o adorno duradouro de uma alma mansa e serena”, “por meio de boas obras”. Como resultado, os sermões públicos de Hildegarde atraíram multidões de mulheres da alta classe que se sentiam livres para adorar vestidas da forma como faziam no dia a dia, sem a necessidade de vestir a hipocrisia da roupa sóbria e véu escuro.
O problema, portanto, não está em proibir o uso de adornos, mas sim no peso que se dá ao cuidado à aparência. Quando uma mulher cristã gasta mais tempo, dinheiro e esforço cuidando de sua aparência e se esquece de cultivar os frutos do Espírito, a balança se desequilibra. Não é pecado ser vaidosa e gostar de se arrumar. Torna-se pecado quando isso nos impede de ver as pessoas ao nosso redor e de refletir nelas o amor de Deus. Equilíbrio é a palavra chave. Já dizia o apóstolo Paulo: “fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31).
Lidice Meyer Pinto Ribeiro Doutora em Antropologia, professora na Universidade Lusófona, Portugal