Compartilho minha fala na mesa de encerramento do II Congresso Internacional de Cristianismo Contemporâneo, que ocorreu de 20 a 22/09/2021.
O tema da mesa foi: "Desafios da fé cristã em um mundo em crise", com a participação junto comigo do Dr. José Brissos-Lino e o Dr. José Eduardo Franco, com moderação pelo Dr. Joaquim Franco.
O encerramento foi transmitido e a gravação pode ser assistida pelo Facebook Ciência das Religiões.
Quando me propus a falar sobre desafios da fé cristã em um mundo em crise, muitos assuntos me vieram à mente, mas entre todos, se destacou o desafio de ser mulher em meio ao cristianismo de hoje. Ser uma mulher na mesa de encerramento de um Congresso Internacional de Cristianismo Contemporâneo é uma grande responsabilidade. Uma mesa de encerramento de um congresso teológico com homens e mulheres deveria ser fato corriqueiro, mas é ainda uma utopia. Entre os participantes deste congresso com alguma atuação, seja entre moderadores ou palestrantes, as mulheres representam menos de 30%. As últimas estatísticas mundiais apontam para um equilíbrio no número de homens e mulheres, embora com variações regionais. Infelizmente, porém, o equilíbrio entre homens e mulheres nas áreas acadêmicas ainda é um desafio a ser vencido.
Desde as primeiras religiões a mulher sempre desempenhou papéis essenciais para seu estabelecimento e manutenção, desde as funções sacerdotais e de profetisas como meramente instruindo seus filhos nos primeiros passos da religião e da moral. Até hoje as mulheres representam a maioria entre os fiéis de diferentes comunidades religiosas cristãs. Apesar disso, estas comunidades divergem nos papéis sociais a elas atribuídos. Embora a Igreja Católica Romana reconheça a força de quatro Doutoras da Igreja, cujos ensinos são colocados lado a lado com os de teólogos como Tomás de Aquino, Agostinho dentre outros 34 teólogos reconhecidos como Doutores da Igreja, as mulheres ainda são minoria nos cursos teológicos e de ciência das religiões, sobretudo no corpo docente.
Não há nenhuma base bíblica que sustente a inferioridade da mulher como estudiosa ou no ensino teológico. Hoje, a leitura do texto bíblico à luz das pesquisas arqueológicas tem demonstrado um período inicial de co-participação de homens e mulheres na liderança dos clãs no Antigo Testamento. Patriarcas e Matriarcas, cada um atuando com responsabilidades e capacidades específicas. E até mesmo no Novo Testamento não há como negar a presença e atuação feminina no suporte ao ministério de Cristo e dos Apóstolos. Apesar disso, a resistência à aceitação de mulheres em papéis de liderança ainda é muito forte em alguns setores do cristianismo. Algumas igrejas têm nos últimos anos revogado a autorização de mulheres para ensinar ou pregar em público, outras restringem-nas à atuação sob a supervisão de um oficial reconhecido. As questões envolvidas são muito mais culturais que bíblicas.
Mas se vivemos em um momento de crise, vivemos também um período de oportunidades. A crise impõe repensar tradições e buscar novas alternativas. Podemos representar menos de 30% dos participantes ativos neste Congresso Internacional, mas nós mulheres estamos presentes e apresentando comunicações em pé de igualdade com os homens. É mais que chegada a hora de alguns líderes experimentarem uma visão como a do Apóstolo Pedro e regressarem ao ideal bíblico de co-participação entre homens e mulheres na construção do Reino de Deus. Precisamos reler a Bíblia isentos de uma visão androcêntrica para observarmos o quanto as mulheres não são invisibilizadas, mas desempenham papéis de protagonismo e basilares para a formação do povo do Israel Antigo. O desafio de ser mulher no cristianismo de hoje passa por um compromisso de todos para que, deixando de lado tradições de leituras sedimentadas por uma teologia androcêntrica, percebamos que o Reino de Deus é inclusivo e co-participativo.
Lidice Meyer
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